domingo, 19 de agosto de 2012

Na Fila


-Alguém aqui vai depositar o dinheiro na própria conta? – disse a funcionária do banco com um colete vermelho, e cara de má vontade.
Aquilo me despertou do torpor no qual me afundei ao lembrar dos meus problemas. Mesmo ali, na fila do banco, eu não conseguia evitar... era só eu parar de trabalhar, ou de comer, de jogar, de limpar a casa,  ou de fazer qualquer coisa, que eu ficava assim. Por isso me mantinha ocupada: trabalhava o dia inteiro e à noite limpava a casa ou saía, quando sobrava algum dinheiro.
Sou Nicole. Tenho 20 anos, sou secretária, tranquei a faculdade de jornalismo por motivos que não vou comentar pois até hoje não entendo bem, não tenho namorado, não tenho religião (não mais), moro de aluguel, minha família está longe, em outro Estado, não volto pois prefiro contar as moedas pra pagar as contas do que viver na regalia monótona de depender dos meus pais.
Pronto, só fiz um resumo pra você entender o quanto a minha vida não é fácil; pra você ver o que eu sofro.
Não, não é pra ter pena de mim, por favor! Mas eu procuro um amigo que realmente possa me ajudar, pois quem tentou me ajudar só agravou as coisas.

Bom, me distraí com a minha auto-piedade. Ainda estou na fila do banco, e enquanto eu devaneava andei uns 4 ou 5 passos. Grande progresso.
Comecei a observar as coisas, pois a distração me fazia esquecer os problemas.
Havia uma mulher com dois filhos, e grávida. Credo, trazer crianças ao banco me parece péssima idéia. Havia também um grupo de amigos adolescentes conversando alto, fazendo questão que todos ouvissem as suas emocionantes aventuras juvenis, mas só eles davam risada do que, para qualquer um de nós, observadores, não tinha a menor graça.
Havia um homem com cara de poucos amigos, impaciente, batendo com um dos pés no chão, olhando a hora no celular, e reclamava baixinho. E havia também...
-Moça,  é a sua vez! – disse uma mulher atrás de mim, apontando um caixa vazio.
-Ah, obrigada – disse eu.
Me dirigi ao caixa automático, e então toquei na tela para iniciar a operação. Errei; era pra eu inserir o cartão e não tocar na tela. Apertei a tecla “anula”, a tela travou e demorou pra voltar na tela inicial.
“Burra, presta atenção”, pensei. Quando a tela voltou, inseri o cartão e deu erro de leitura. Droga, tudo de novo. Porcaria de caixa automático que não funciona direito!
-Posso ajudar? –veio a voz masculina, do meu lado.
-É que não quer ler meu cartão- me ouvi respondendo, sem olhar para a pessoa.
-Bom, você deve inserir ele devagar, não tenha pressa. A pressa faz demorar mais.
“Droga, por que ele quer me ensinar agora? Eu sei fazer isso!”
Olhei para o lado, me esforçando pra não ser grosseira. Assustei, não sei por quê.
Era um rapaz bem arrumado, cabelo escuro bem aparado, alto, sobrancelhas definidas, barba bem feita, olhos bondosos e um perfume deliciosamente marcante. Mas ele estava me tirando a paciência.
-Eu sei fazer isso. – Não consegui não dizer isso de forma grosseira.
Ele ignorou o que eu havia dito, e a forma como eu havia dito.
-Hoje não é um dia bom, né?
-Isso não é da sua conta.
-Bom, saiba que eu também não estou tendo um bom dia. - Tendo dito isso, ele sorriu para mim.
-Olha, eu só estou tendo problemas com o cartão. Não significa que meu dia esteja ruim.
Nesse momento, ele olhou para os lados, e então olhou para a tela do caixa e apontou algo, certamente para dar a impressão de nossa conversa não era pessoal.
-Eu te observei na fila. Você parece preocupada com algo, e sinto uma certa tristeza em você.
O que era aquilo? Ele estava me observando? Agora eu assustei.
-Como assim? Você estava me observando? Está me assustando. – sempre fui sincera.
-Oh, desculpe, não quero te assustar. Desculpe, não pense mal de mim, não sou um maníaco e não falo assim com todo mundo. Olhe, a tela inicial voltou. Insira o cartão agora. - Seu tom mudou para profissional de novo.
Eu devo ter fitado ele por alguns longos segundos. Ele olhava para a tela, mas então ele olhou para mim. Neste momento, eu inseri o cartão, bem devagar.
-Devagar – disse ele.
-Eu estou indo devagar.
-É o quê? Saque, extrato..
-Eu sei fazer isso, obrigada.
-Desculpe te amolar. – disse ele.
Ele se foi, e continuei a minha operação normalmente. Saquei o dinheiro, sempre olhando para os lados por segurança, guardei na carteira e saí.
Antes de chegar na porta, ouvi novamente a voz do rapaz:
-Moça, seu cartão.
Eu nem havia percebido que ele havia caído.
-Obrigada. – peguei o cartão de sua mão estendida.
-Prazer em conhecê-la. – disse ele, e piscou para mim. Eu jamais me esqueceria disso.
-O prazer foi meu. Bom trabalho!
-Obrigado, e feliz natal!
Era o primeiro a me desejar feliz natal. Ainda faltavam 10 dias. Por algum motivo, fiquei sem jeito.
-Hum... obrigada. Pra você também!
Ele sorriu, e minha memória gravou isso também, permanentemente.
Me virei e saí. Começava então uma nova história para mim, mas eu ainda não sabia.

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