quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Um Salto de Bungee Jumping.

Este Conto Foi Vencedor do Concurso de Contos da UNIP e Academias em 2012!!!
Confira a reportagem no site da UNIP

   
      Apesar do grande esforço para manter uma expressão serena, eu soube que o médico traria más notícias para mim assim que ele entrou no quarto de hospital.
        - Olá! E como está hoje? – ele tentou esboçar um sorriso; tentativa frustrada.
        - Bem... espero que o senhor me diga isso. – eu disse.
       Queria desesperadamente me ajeitar na maca, mas não podia me mexer. Eu não sabia explicar se era falta de esforço, medo ou se realmente não tinha condições físicas para fazê-lo, mas preferi nem tentar.
       O médico me fitou. Ele era muito jovem, e não sei se já havia perdido algum paciente antes, mas algo o incomodava. Ele parecia tentar ler minha expressão para saber como me dar a notícia. Certamente nunca havia feito isso antes.
       - Não estou nada bem, não é, doutor? – perguntei, apesar de já saber a resposta.
       Ele continuou olhando para mim em silêncio, e meneou a cabeça de modo quase imperceptível.
     - Infelizmente... – esperei o “não”, mas ele não completou a frase, apenas baixou os olhos para o resultado do exame que estava em suas mãos.
       - Pode falar, doutor. Quero saber. – Tentei parecer forte, mas na verdade não pareci nada.
       O som dos aparelhos ligados a mim soavam como uma contagem regressiva. O doutor pigarreou, então parou e respirou fundo, como que para tomar coragem.
       - O tumor tomou conta. Tentamos fazê-lo retroceder, mas os procedimentos não fizeram efeito. Ele continua avançando, e infelizmente não há nada que possamos fazer. Qualquer tratamento possível agora é paliativo. Eu... realmente sinto muito. – Apesar da relutância inicial, o doutor disse tudo de uma só vez, sem sequer respirar.
       Eu recebi toda a notícia de maneira serena, como se já esperasse. Na verdade, de certa maneira, me sentia até aliviada. Agora pelo menos já sabia o que fazer: nada. Foram dois anos de tentativas, desde que descobri o tumor, e sempre se achava uma solução, uma possibilidade, uma esperança. Mas agora eu estava com a sensação de que havia chegado onde tinha que chegar. Era isso mesmo: meu tumor, meu destino.
       Não chorei. Não amaldiçoei Deus, como alguns fariam. Na verdade, até me senti em paz. Havia acabado. Não era o futuro que queria, isto é, o fim que escolhi para mim, mas era assim que minha vida – ou morte – estava acontecendo. Essa era a minha história, e, por incrível que pareça, eu sentia que essa era a minha chance de fazer algo diferente, por mais que fosse meu fim.
       Não quero que você saiba meu nome. Nem minha idade, ou o que faço da vida. Na verdade, nem interessa. Não sinta pena de mim. Não fique com medo de me ignorar e um dia acontecer a mesma coisa com você por castigo. Não sinta a responsabilidade de me alegrar de alguma forma, de me dar esperança, de dizer que ainda pode existir um jeito. Não precisa, sei que suas intenções podem ser as melhores, mas obrigada, não quero. Você pode ser natural comigo, você pode ficar sem saber o que me falar, você pode cometer gafes por simplesmente se esquecer de que sou uma moribunda, enfim, na verdade não me importo. Estou ciente da minha situação. Sim, ainda tenho fé, claro, isso é um direito meu, e se eu tive fé minha vida inteira não é no fim da minha vida que vou virar uma incrédula, pois isso seria negar o que sou, o que acredito, e se eu o fizesse então minha vida teria sido uma grande mentira, e nada teria valido a pena. Mas valeu, até a minha fé, que mesmo que não tenha sido correspondida como eu esperava, me manteve firme até agora.
       Minha vida... nem foi tão longa assim. Não fiz tudo o que queria. Bem, na verdade fiz tudo o que não queria, na esperança de um dia poder fazer o que eu realmente sonhava.
       Sonhos? Não realizei quase nenhum. Eu tinha planos para isso, mas não. Estava mais focada na realidade do que em sonhos. Hoje, neste minuto, me arrependo amargamente disso.
       Bom, pelo menos ajudei algumas pessoas. Sim, eu fui muito útil! Muitos “obrigados” foram dirigidos a mim, muita gratidão me foi devotada de coração, e isso meio que me alegra um pouco. Mas também deixei algumas pessoas na mão e... me arrependo amargamente disso.
       Trabalhei duro! Não sei para quê, mas trabalhei, e o fruto do meu trabalho está aí... talvez perdido no tempo, talvez tenha ajudado alguém ou então pode não ter valido nada, mas... não fiquei parada. Eu queria algo, eu tinha um objetivo maior, e para isso abandonei os pequenos sonhos de cada dia para alcançá-lo.
       Me arrependo amargamente disso também.
       Meus pequenos sonhos que não realizei... desde um sorvete de chocolate numa noite quente, por pura preguiça, até saltar de bungee jumping, por puro medo de... MORRER! Ah, que ironia cruel! Que grande bobagem! E se morresse? E daí? Pelo menos morreria fazendo algo que queria, e não num leito de hospital, sozinha, com um doutor compreensivo e legal, que me trata como uma paciente especial, mas afinal, todos são!
       Enfim, a adrenalina que sinto agora talvez seja parecia com a de um salto de bungee jumping, mas muito menos... divertido. E muito mais... misterioso.
Como queria ter negado menos de mim, menos para mim! Como queria ter me presenteado com pequenos momentos de prazer, sem pensar nos pequenos empecilhos, sem considerar os “poréms”, só pensando em algo muito importante: o agora, que é tudo o que eu tenho. O passado é minha história, o futuro ainda não existe – e pode nem vir a existir, o presente é meu... presente!
       Penso demais nas possibilidades que impossibilitei; ah, como me arrependo amargamente!
       Hoje eu sei como tinha um grande poder em minhas mãos. Hoje, apenas hoje, neste minuto, vejo a magia que eu tinha de simplesmente poder fazer! Simplesmente... o “simples” agora para mim é impossível.
       O que me fez negar tanta coisa? O que me fez deixar de viver? Onde me foi empregado o ensinamento errado de que tenho que somente batalhar pelo futuro? Não que não seja importante, claro que é, e muito, mas fiz isso a vida inteira e agora vi que batalhei por algo que não terei.
       Será que perdi a guerra? Não... não quero aceitar isso! Não quero ir embora como uma perdedora! Não, não, essa é minha vida, e eu quero fazer algo diferente!
       Não poderei mais saltar de bungee jumping. Nem ir para a Islândia. Nem aprender a dançar tango. Nem aprender a tocar piano. Nem aprender a falar grego. Posso sonhar... mas perdi a chance de realizar. Agora sei o quanto eu tinha esse poder, o quanto podia fazer, mas agora... sonhar, é tudo o que sempre fiz, e tudo o que me restou são sonhos, e nada mais.
       Sonhar quando se pode realizar é uma possibilidade; sonhar quando apenas se pode sonhar, é tortura, é maldade.
       Viver é um grande poder! Enquanto há vida, há chance. Nada está realmente acabado enquanto o fim ainda não aconteceu. Aprendi, neste minuto, que há o fim inevitável, um salto ao desconhecido, morte, ou como quiser chamar, e há o fim imaginário, que erroneamente impomos em nossa vida, assim como a linha do meridiano: ela não existe de fato, mas a desenhamos lá.
       Ah... como dói ver que eu pus fim quando tinha tudo nas mãos! A impossibilidade de realizar foi uma decisão, e não um fato! Eu poderia fazê-lo! Eu poderia... mas não o fiz.
       Não sei agora o que vai me ocorrer. Não sei como será, não sei... talvez eu ainda tenha tempo de realizar algo que eu queira. Talvez ainda haja uma chance. Agora, no fim, decidi que posso fazer. Ainda não é tarde demais, mas o tempo que me resta é o que tenho, e de alguma maneira quero realizar algo. Pode ser que eu tenha decidido tardiamente, mas não importa, eu decidi que posso e vou fazer.
       Não vou saltar mais de bungee jumping. Mas sinto que farei algo parecido. Talvez a adrenalina seja muito maior. Talvez minha fé me salve. Talvez minha fé me faça ser lembrada. Talvez minha fé apenas faça outros terem fé. Não sei... mas decidi assim. Eu decidi que farei o que puder fazer.

         O doutor ainda me fitava, esperando uma reação da minha parte.
       Naquele instante, decidi que tentaria me ajeitar na maca, e tentei fazê-lo. Foi duro, mas insisti e o fiz. Me surpreendi quando consegui me movimentar! Achei que não conseguiria, mas quando tomei esta atitude algo aconteceu: o doutor veio e me ajudou a ficar mais confortável.  Talvez sem essa ajuda eu não conseguiria, não sei, mas ela veio e... consegui! Foi um pequeno sonho que realizei. E me senti imensamente feliz por isso!
       Não quero saber quanto tempo me resta. Decidi que não vou mais negar nada a mim mesma, por menor que seja, por mais que tenha pouco tempo. Tive essa pequena conquista agora, por fé, por esforço, por simplesmente ter decidido que sim ou por todos esses motivos juntos. Na realidade o que me importa é que o fiz.
       E assim me sinto em paz.



Autora: Dâmaris Góes

6 comentários:

  1. Maravilhoso, profundo e intenso...

    Cleide da Cruz

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  2. Puxa... obrigada, Cleide, de verdade! Sua opinião conta muito mesmo, e um elogio vindo de você vale ouro e me deixa muito feliz!

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  3. Muito lindo e tocante! Parabéns Dâmaris!

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  4. Ahh, obrigada mesmo, Karen! Fico muito feliz mesmo que tenha gostado! =D

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  5. Este é o tipo de leitura que nos faz refletir, amei Dâmaris, parabéns! Prêmio merecido"

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  6. Muito obrigada! Pra falar a verdade até eu refleti ao escrever isso, rsrsrs! Valeu mesmo, Ale, é sempre bom receber elogio de pessoas lindas como você, me deixa feliz de verdade! ^^

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